Quando
Thomas Hobbes demonstrou a ideia da necessidade do Estado para
garantir a segurança dos indivíduos, certamente essa segurança
arquitetava-se a uma discricionariedade por parte do governante,
visto sua visão tida como absolutista. No entanto, a sua contribuição face a
inauguração do Estado Moderno é indiscutível. Atualmente, percebemos que a segurança, que seria o argumento
maior para o fundamento de toda a sua teoria, não aparece com o
mesmo foco, por aqueles que assumiram as rédeas do comando estatal.
Antes,
em um Estado Absolutista, o indivíduo ainda podia, mediante
autorização do rei, resolver seus conflitos pessoalmente, fazer a
sua própria justiça. Fosse ela boa ou ruim para ele, pelo menos
podia contentar-se em saber que algo de concreto foi feito, e o
problema resolvia-se rapidamente. Hoje, totalmente dependentes que
somos da ação do Estado, visto que apenas ele detém o monopólio
do emprego da força, vemos ao mesmo tempo que, dependendo dos
envolvidos, o crime parece ser encarado por ângulos diferentes.
Quanto maior o poder aquisitivo dos envolvidos, mais facilmente
atenuantes parecem querer fazer parte do caso. Contrário aos menos
afortunados, que ao se verem envolvidos em algo minimamente
comprometedor, muito precisam provar para permanecerem como cidadãos
de bem.
O
Estado insiste em querer governar para os “sadios”, pelo menos
quando o assunto é responsabilidade penal. No entanto, não pode
esquecer que quando da aplicação da pena, ao retirar o elemento do
convívio da sociedade para o devido cumprimento da sentença, o
Estado automaticamente se torna responsável pela integridade do
indivíduo sob sua tutela, pela efetividade de quando da propositura
de mecanismos capazes de proporcionar a socialização desse
indivíduo que ali se encontra, e com o retorno desse indivíduo ao
núcleo social.
O
ciclo que inicia-se com a fixação da sentença, até a concessão
da liberdade, é de responsabilidade do Estado. E cada vez mais o
Brasil está sucumbindo quando desse trajeto, visto as estatísticas,
e a situação prisional vergonhosa em que o país se encontra.
A
Declaração Universal de Direitos Humanos e o Pacto São José da
Costa Rica são exemplos de compromissos firmados pelo Brasil, e que
são ignorados quando relacionados a aplicação dos mesmos para com
a população carcerária. Algo como se a população carcerária não
fosse constituída de elementos, que como qualquer um de nós
encontrava-se aqui “do lado de fora”. Não adianta querer isolar
um doente do convívio da sociedade, e não tratá-lo quando de sua
internação, pois, com certeza ao sair, ele não só poderá ainda
estar doente, como que ainda mais comprometido quanto a sua saúde. O
país precisa focar em uma política prisional eficiente. O Estado
não pode simplesmente querer depois de um tempo devolver a sociedade
alguém em condições piores do que quando foi preso. A
ressocialização é sim possível, e mais uma vez as estatísticas
comprovam isso. Enquanto dados do Conselho Nacional de Política
Criminal (CNPC) mostram reincidência criminal em torno de 70%, EUA e
a Europa possuem uma taxa de 16%. E aqui, bem próximos de nós,
países de realidades não muito diferente da nossa, como Chile,
Argentina e Uruguai apresentam taxas inferiores a 25%.
“O
sistema prisional brasileiro está próximo da falência total. Os
casos que são ventilados pela imprensa envergonham o país. São
crimes do Estado contra o povo.” - lamentou o ministro Cezar
Peluso, do STF, em entrevista durante o 12º Congresso sobre
Prevenção ao Crime e Justiça Criminal da Organização das Nações
Unidas, realizado em Salvador.
E
quanto a essa conta, quem continua pagando somos todos nós.
Fonte:
Jornal
O Globo – O País, sábado, 17 de abril de 2010.
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