O
que no passado era necessário, pois o povo precisava se assustar com as
formas hediondas de punição, no presente foi modificado,
porque na verdade o que o povo precisa não é de cenas chocantes de
violência praticadas pelo Estado, que deveria ser a mãe e o pai de todos
os cidadãos, mas sim de uma educação mais perene, mais justa, mais
fraterna e mais frequente. O Estado precisa, ainda hoje, beber na fonte
profícua de Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação
muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Esse será o grande instrumento
que teremos para prevenir delinquências e outros desajustes sociais.
O filósofo francês assevera que “a execução pública é vista como uma fornalha em que se acende a violência”. Destarte, lembro-me de dois ensinamentos exortados por Lacassagne e Beccaria.
Alexandre
Lacassagne, no passado, já asseverava: “A sociedade tem os criminosos
que merece”. Afinal de contas, nós é que dosamos o poder e o dever-ser
de cada um. Se somos rígidos demais, teremos celerados cruéis, se formos
muito complacentes, teremos criminosos contumazes. Qual a receita
certa? O equilíbrio! Como se alcança essa condição equânime? Educando!
Beccaria, por sua vez, refletia:
Os países e os séculos em que se puseram em prática os tormentos mais atrozes, são igualmente aqueles em que se praticaram os crimes mais horrendos”.
Não é apenas um mero aforismo ou uma tradição oral
que escutamos e repassamos aos nossos colaterais e descendentes,
violência gera violência. Com a medida em que apenamos o outro, esta
será a medida que nos admoestará. Se fracassamos na reeducação e
ressocialização dos delinquentes, estes retornarão ao mundo real, mais
cedo ou mais tarde, e cometerão novas atrocidades, às vezes pior do que
as cometidas no passado. O modelo penitenciário precisa ser revisto.
Ainda é tempo.
Mais uma vez Foucault nos doa uma pérola:
a certeza de ser punido deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte da violência que está ligada a seu exercício.
O Estado-juiz começa a entender que o seu trabalho é “procurar corrigir, reeducar, “curar”, e não mais promover espetáculos sangrentos no meio da rua, pensando ainda estar nos tempos do Coliseu, na Roma antiga.
Na grande evolução que o Estado vem passando de milênio para milênio, de século para século, aprendeu uma nova lição que ensina:
o sofrimento físico, a dor do corpo não são mais os elementos constitutivos da pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos.
Hoje
devemos suspender o direito de liberdade ou os direitos políticos, mas
nunca, jamais, o direito à vida ou o direito à incolumidade física.
Entretanto, infelizmente, alguns Estados não cumprem os tratados
internacionais de direitos humanos e ainda hoje,
assistimos, em plena revolução tecnológica e intelectual do homem, a
existência de prisões que são verdadeiras masmorras ou calabouços
insalubres e degradantes. Como é possível recuperar um criminoso usando
meios e ferramentas que os séculos anteriores já demonstraram o
fracasso?
Beccaria era sucinto e ao mesmo tempo contundente: “Podem os gritos
de um infeliz entre tormentos retirar do seio do passado que não volta
mais uma ação já cometida?”.
Em outras palavras ele indaga: é possível castigar uma pessoa
cruelmente partindo da premissa de que sua atitude irá ser apagada ou
restaurada? A vida que o infeliz condenado ceifou irá retornar com o
sofrimento dantesco aplicado nele? A resposta é e sempre será: não! O
apenado deve reconhecer seu erro, se arrepender, se reeducar, se
ressocializar e depois retornar novamente ao seio dos comunas. Essa deve
ser a pedagogia da punição. Educação!
Barnave discursava em plena Constituinte francesa:
Calcular uma pena em função não do crime, mas de sua possível repetição. Visão não à ofensa passada, mas à desordem futura. Fazer de tal modo que o malfeitor não possa ter vontade de recomeçar, nem possibilidade de ter imitadores.
Parafraseando Pitágoras: educando não será necessário punir.
Como educar um detento? Um condenado? Um celerado contumaz?
Existem diversas formas. Muitas não tentadas, outras bem sucedidas, poucas não restauráveis.
Uma delas é transferir ao condenado a possibilidade de reparação do delito cometido. Como?
A França tem muitas estradas intransitáveis que prejudicam o comércio; os ladrões que também criam obstáculo à livre circulação das mercadorias terão que reconstruir as estradas. Seria mais eloquente do que a morte 'o exemplo de um homem que conservamos sempre sob os olhos, cuja liberdade foi retirada e é obrigado a reparar a perda que causou à sociedade.
Nada
mais justo. Se o bandido destruiu as estradas para obstruir e
dificultar a passagem de carruagens com carregamentos de produtos
comerciais, ele é que deve, ao ser preso, ter no bojo da condenação a
ordem mandamental de que ele seja levado sob escolta juntamente com
outros infratores do mesmo delito para reformar e consertar as estradas
que eles inutilizaram para fins criminosos. Usar mão de obra
dos detentos seria uma equação matemática valorosa para o Estado, senão
vejamos: o preso que trabalha tem sua pena remida, isto é, a cada dia
trabalhado um quantum de sua pena é diminuída; segundo, o Estado
não precisa fazer concessões ou licitações morosas para contratar
empresas privadas para trabalhar para ele; terceiro, diminuiria
consideravelmente o custo do Estado na contratação de terceiros; quarto,
não existe medida mais restaurativa para a vida de uma pessoa do que o
trabalho. O trabalho dignifica o homem, mostra para ele uma nova
realidade, uma nova chance, uma luz no fim do túnel; quinto,
profissionalizaria nossos detentos, situação em que beneficiaria muitos
que não tem ofício profissional para sobreviver no retorno da vida em
sociedade; e, por último, mas não menos importante, seria a pedagogia da
pena posta em realidade. Isto seria educar, ressocializar, corrigir,
além de colaborar com o próprio juízo axiomático do detento que olhará
para si mesmo não mais como um animal enjaulado, mas como alguém que
errou e está sendo educado para não cometer novos erros.
A educação é de forma insofismável a melhor prática para diminuirmos os
delitos e os crimes cometidos em nossa comunidade. Esta educação deve
começar no início da vida humana, ainda na fase infante, é “tomar
crianças, fazê-las adotar pela pátria, prepará-las em escolas, ensinar
sucessivamente a postura”. Já dizia o incrível jurista Pontes de Miranda sobre o
assunto: “Preparemos todas as crianças em idade escolar, alinhemo-las
todas, no mesmo ponto de partida! Só assim daremos a todas as mesmas
possibilidades; só assim faremos obra de justiça social, de cooperação
leal e de fraternidade”. Esse é o caminho. Educação de qualidade é
demonstrar na prática a existência da luz solar sobre a sociedade.
Basta-nos abrir a janela pela manhã na aurora que veremos o sol brilhar
para todos. Investir em educação é o mesmo que dizer que todos terão as
mesmas oportunidades da mesma forma que o sol brilha para o rico e para o
pobre.
Recomendo ler o texto na íntegra em: http://profrobertovictor.jusbrasil.com.br/artigos/121943031/vigiar-e-punir-ideias-sociais-e-juridicas-na-obra-de-foucault
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